Desde 2001 venho trabalhando ativamente com o comboio Cultural, um projeto do governo do estado, executado pela Secretaria de Estado de Cultura, e que chamou a atenção da mídia nacional. Isso se deve ao tom de festa e alegria do programa, capaz de levar encantamento para pessoas que moram nos arrabaldes das cidades maiores, mas que poucas vezes, ou nunca, assistiram a um concerto, a um balé, a uma peça teatral. Desprovidas da magia da arte, elas tem o sonho simbolizado pela tela da televisão. Nunca ao vivo.
Pois bem, a mídia filtrou o objetivo do projeto, mas como artista que já esteve no palco de um desses ônibus, e que agora trabalha nos bastidores, coordenando pouco mais de uma centena de pessoas, posso dar o testemunho de uma emoção maior. Não é em números que se mede a festa, mas naquilo que a gente reconhece do olhar, do gesto,do sorriso, de pequenas frases, muitas vezes entrecortadas, não-concluídas, mas de uma sinceridade comovente.
Domingo passado, na abertura do quarto roteiro, estávamos no Parque do Tinguí e ao final do espetáculo A Flauta Mágica perguntei a um menino que estava assistindo, segurando sua bicicleta, se ele tinha gostado. E ele me disse: "A gente vem aqui triste e vai embora alegre".Sem saber, ele era como um porta voz dos desvalidos, aqueles aos quais a arte não chega - e quando chega, cobre o coração de sentimentos. Sentimentos intraduzíveis, mas que se traduzem quando ele diz que vai embora alegre.
Não quero aqui desfraldar bandeiras políticas, mas apenas dizer que o Comboio que cortou o estado de um extremo ao outro tem o dom de levar cores, descobertas,encantamentos para um público que a gente não conhece - e que igualmente nos desconhece. Assim como a arte mostrada tem o dom da transformação, de abrir um sorriso, de despertar o aplauso, também para nós óperarios do palco, se dá a mesma descoberta. Nós nos inauguramos quando nos colocamos à frente dessa platéia inédita.
Não sei se o que fica para trás quando os ônibus tomam o rumo da praça seguinte, mas imagino que seja algo de mágico, divertido, alguma coisa que foi boa de ser vista, uma frase, o desenho do figurino, trecho de música que foi tocada, a luz. Embora tudo se transforme em números, em balanços gerais e parciais do trabalho, ainda penso nos corações, nas almas presas à delicadeza da arte, nessa coisa que é uma mistura de poesia, música, pensamento, diversão. É lindo esse ofício de passar pela vida das pessoas, como aquele menino que ficou "alegre". Tenho comigo a crença de que esses momentos acomodam o espírito, fazendo vislumbrar horizontes, têm a graça das sementes jogadas no coração.
Fonte: GAZETA DO POVO
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