Fernando Pessoa é um homem solitário e afetuoso às paredes de pintura descascada do centro velho de uma cidade. Sabe as cercanias da Barão do Rio Branco, da Riachuelo, da Catedral? É como se o poeta português (1888-1935) também passeasse por ali que o ator Rafael Camargo o apresenta no monólogo Pessoalmente Fernando.
Mas poderia se chamar Simplesmente Fernando. A peça não exige que você conheça o escritor e suas diferentes personalidades (os pseudônimos Alberto Caiero, Álvaro de Campos e Ricardo Reis, com quem Fernando dialoga em cena). Edson Bueno, o autor, transporta a solidão de Pessoa para um tipo urbano, de apartamento, que agora revê a casa dos pais falecidos. Quando as memórias deste homem (só, mas não amargo) flertam com o desencanto, Rafael o revigora com a infância.
Fiel à estrada da simplicidade e da solidão, o diretor Áldice Lopes recusa excessos de cena. Sem objetos no palco, Rafael Camargo é íntimo de uma contida iluminação, que dispensa cores berrantes (é uma luz mais de canto, que lembra filmes do inglês Derek Jarman, como Caravaggio, famosinho nos anos 90). É como se olhássemos uma fotografia antiga.
Quem acompanha os textos de Édson Bueno percebe que ele “usa” Fernando Pessoa para novamente escancarar seu fascínio pela Boca do Lixo paulistana, já exercido através de Lágrimas Puras em Olhos Pornográficos, em 2000. E este casamento do poeta com a Boca é perfeito.
(Ayrton Baptista Junior)
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